domingo, 11 de abril de 2010

Jeroen Koolhass, e Dre Urhahn começaram pela Vila Cruzeiro, uma das favelas da zona norte do Rio de Janeiro, onde seus moradores convivem diariamente com a violência.

A prova mais clara desta realidade é o mural que a comunidade pintou graças à iniciativa dos artistas. Este ilustra um menino empinando uma pipa com um buraco na cabeça: não produto das pinceladas, mas das balas dos tiroteios que abundam quando polícia e traficantes se enfrentam. “Esse menino é uma metáfora de todas as crianças que vivem aqui. Há alguns meses houve um tiroteio aqui e recebeu uma bala perdida. Todo mundo comentou sua morte. Muita loucura, não?”, disse Urhahn.

Urhahn, produtor de vídeos de 34 anos, e Koolhass, designer de importantes marcas internacionais, de 31 anos, poderiam viver em suas cidades: Amsterdã e Roterdã. Mas decidiram alterar suas vidas para mergulhar em cheio na vida das favelas. Alguns meses por ano, Urhahn vive no alto da favela com uma família que aluga um quarto, como todos, com tijolo aparente. “Quando alguém vive aqui, faz parte da comunidade. Mudou minha percepção sobre as pessoas e sobre mim mesmo”, disse este produtor que não perde uma festa nem um churrasco neste bairro superpovoado.

Koolhass, ilustrador da revista norte-americana New Yorker e da casa italiana de modas Prada, entre outros, sente-se feliz pela aceitação que tiveram entre as pessoas da comunidade, que não os recebeu como “playboyzinhos”, isto é, jovens ricos. Sua motivação é o amor à arte, literalmente. O projeto “Favela Painting” busca, por meio dos murais, resgatar a “alma colorida” destas comunidades, além das cores branca e preta com que normalmente se ilustra a violência e a pobreza.

“Queremos também divulgar as coisas boas que existem em uma favela, além de sua imagem de guerra e preconceito social”, disse Koolhass. “Uma favela tem, como qualquer outro bairro, de qualquer parte do mundo, famílias normais, pessoas com sonhos e que também querem um bom futuro para seus filhos”, acrescentou. A primeira obra da Favela Painting foi o “Menino empinando pipa”, que ocupa três casas inteiras diante de um campo de futebol da comunidade.

A pipa está a vários metros de distância, como “voando” sobre outra casa, na ladeira do morro que a circunda. Uma concepção visual além de um simples mural, urbanística. A segunda obra, criada pelo tatuador holandês Rob Admiraal, superou todos os limites, inclusive geográficos, da comunidade. São dois mil metros de desenhos de enormes peixes coloridos, nadando em um rio azul, que atravessam o antes cinzento muro de contenção de deslizamentos, uma escadaria comunitária, uma viela e um paredão de concreto.

Alguns interpretam que os peixes nadando contra a corrente representam a luta na vida dos jovens da favela. “Mas é uma ideia aberta, todo mundo pode pensar o que quiser. Não é uma imagem fixa, também estimula a imaginação”, disse Urhahn. Toda a comunidade participou da obra, como a pequena Susane Souza, que se entusiasmou ao contar como tudo mudou à sua volta. “Antes aqui era só lama e mato. Todos participamos da obra e agora vem gente de todo canto fazer turismo para conhecer nossa favela”, disse à IPS se referindo aos visitantes de todo o mundo que os jovens holandeses trazem para conhecer a iniciativa.

Parece um detalhe irrisório, mas não para as crianças que diariamente vivem o preconceito e a desconfiança dos que não são favelados. Muitos na escola escondem onde moram, como conta Urhahn, ao explicar que assim tentam devolver-lhes o orgulho de sua comunidade. “Nunca dizemos que podemos mudar a vida inteira de um jovem, mas podemos tentar ajudá-lo a sonhar e pensar no que pode fazer na vida, que pode ter objetivos maiores e persegui-los”, disse Koolhass, sem descontar a necessidade de outras iniciativas de saúde, educação e moradia, para citar apenas algumas.

“Dizemos que o Favela Painting é um projeto de arte, mas arte que tem um lado social”, explicou o designer, que com seu colega quer levar o projeto a outros bairros pobres da América Latina. “Um projeto de arte puro, com um objetivo social”, descreveu Urhahn, que preferiu não rotular com um nome determinado. “A pintura é uma coisa visual, mas causa efeitos diferentes nos moradores. Isto é importante para a filosofia do nosso projeto. Mostrar aos de fora outra imagem destas comunidades”, disse. Koolhass também comparou os jovens das favelas com os de seu país, “tão fechados. Aqui há uma estrutura social muito forte. Garotos andando livremente pelas ruas, se comunicando com os outros”, algo que gostaria de levar para a Holanda”, acrescentou.

O projeto é muito mais ambicioso. Os artistas buscam recurso financeiro e operacional, por exemplo, com fábricas de tintas, para colorir várias casas... “uma favela inteira”. O objetivo é primeiro rebocá-las, fazer obras para evitar vazamentos, e cobrir sua cor marrom-alaranjada com toda gama de cores do arco-íris. “Algo que chame a atenção e se converta em uma espécie de monumento do Rio de Janeiro”, disse Urhahn, que já gravou em uma favela um documentário sobre o movimento musical hip hop. Um presente não do governo do Estado para seus habitantes, “mas dos habitantes para a cidade”, concluiu. IPS/Envolverde

Nenhum comentário:

Postar um comentário